É muito comum aos estudiosos afirmarem que o acordo familiar da Família Orléans, chamado de "Pacto de Bruxelas" teria "criado" o título de Príncipe de Orleans e Bragança. Essa ideia, que como comprovaremos, é errônea, vem sendo repetida incansavelmente desde o início do século XX. Vamos a ela.
Segundo a ideia propagada, teriam reunido-se Louis-Philippe III, Duque de Orléans, Chefe da Casa Real de Orléans de França (filho do falecido Louis-Pilippe II d'Orléans (ou "Philippe VII", Conde de Paris), o Duque de Montpensier, o Duque de Guise (futuro Chefe da Casa de Orléans, após a morte do Duque de Orléans), que assinou representando a si e a seu pai, o Duque de Pentièvre, além do Príncipe Luiz Gastão, Conde d'Eu e seus três filhos, D. Pedro de Alcântara, D. Luiz Gastão e D. Antonio de Orléans-Bragança. E que nesta reunião familiar, ocorrida em 1909, teria o Duque de Orléans "criado" o título de Príncipe de Orléans e Bragança, hora dizem para o Conde d'Eu e seus três filhos, hora dizem apenas para os três filhos do Conde d'Eu...
Isso porém nunca aconteceu, e vamos aos fatos.
Após a proclamação da república no Brasil em 1889 e o exílio de D. Pedro II e sua família na Europa, primeiro em Portugal, depois na França, o Conde d'Eu, marido da Princesa D. Isabel I do Brasil, simplesmente arrependeu-se do fato de ter explicitamente renunciado ao lugar que tinha na sucessão francesa, justamente por estar agora de volta à França, onde o sobrenome Orléans tinha grande prestígio. Quis assim ter novamente para si um lugar na Casa de Orléans, e que seus três filhos, nascidos Príncipes do Brasil, também adquirissem um lugar na Casa de Orléans. A primeira tentativa do Conde d'Eu deu-se logo de sua chegada à França, quando envia uma carta a seu primo, Louis-Philippe, Conde de Paris (neto de Louis-Philippe I, rei dos franceses, mas não Rei da França).
A resposta, porém, do Conde de Paris não fez-se esperar: em uma carta endereçada ao Duque de Alençon deixa clara a sua posição:
"Meu querido Alençon, […] as possíveis reivindicações de
Gastão para reclamar sua posição na Casa da Orléans e tudo mais que é
relacionado são absolutamente inaceitáveis. Você viu em minha carta que eu nem
imaginei que tais direitos sequer existiam. Quando alguém deixa a Casa da
França para se tornar um estrangeiro, quando alguém renuncia a vida de exílio
na expectativa, esperançoso e permanecendo sincero quanto a França, para assim
procurar em um trono estrangeiro uma posição oficial, tal ato possui
consequências irrevogáveis."
Em suma: o Conde de Paris deixa claro que o Conde d'Eu tornou-se brasileiro com seu casamento com a Princesa D. Isabel do Brasil e que seus três filhos são brasileiros, não são franceses, e não tinham lugar na Casa de Orléans. Porém, como sabemos, vivendo no Castelo d'Eu com a Princesa D. Isabel, que mantinha estreita correspondência com monarquistas brasileiros, o Conde d'Eu tinha muito tempo livre para seguir continuando suas súplicas. Após a morte do Conde de Paris, novamente mandou uma carta ao filho deste, Luis-Philippe, Duque d'Orléans, onde pede novamente para si e seus três filhos a condição de Dinastas franceses. A resposta do Duque de Orléans não deixa dúvida sobre o posicionamento a esse respeito, naquilo que ficou conhecido como Nota de 15 de julho de 1901:
O Senhor Conde d'Eu, por ter tomado como residência o Brasil
sem o intuito de retornar em 1864, pelos compromissos que o prenderam à coroa
brasileira, pela sua renúncia formal aos seus direitos sucessórios quanto à
coroa da França, por sua adoção da nacionalidade brasileira, perdeu seus
direitos à sucessão da coroa da França e seu status como membro da Família Real
da França. Os filhos do Conde d'Eu, nascidos brasileiros de pais brasileiros e
dinastas brasileiros, nunca foram príncipes da Casa da França, um status apenas
concedido por nascimento e que pode ser perdido mas não ganho.
Sendo assim, eles não podem tornar-se príncipes da Casa da
França, nem seu pai pode recuperar seu status, que ele perdeu.
Isso deixa claro o posicionamento do Chefe da Casa de Orléans sobre os reiterados pedidos do Conde d'Eu. Como poderia então, apenas 8 anos depois, mudar tanto de opinião no tantas vezes referido "Pacto de Bruxelas"? A reposta é simples: não mudou.
O problema com o "Pacto Familiar de Bruxelas" é que pouquíssimas pessoas já o leram: leram apenas transcrições do mesmo, cópias de traduções ao português de uma das três vias assinadas em francês... Nessas tantas transcrições dos originais (em um tempo onde não havia copiadora), e essas sucessivas traduções, muitas vezes tendenciosas ao chamado "ramo de Petrópolis" criou a ilusão de que no dito pacto se "criou" um novo título principesco, o título de Príncipe de Orléans e Bragança, criado e mantido pelo Fons Honorum do Chefe da Casa de Orléans. A tradução mais comum, que está, inclusive, na wikipédia brasileira, diz que:
Reconhecemos ao Conde d’Eu, a seus três filhos e a sua
descendência masculina, principesca e legítima, além dos títulos de Altezas
Imperiais ou de Altezas que lhes pertencem de direito, o título de Altezas
Reais.
Reconhecemos aos três filhos do Conde d’Eu e a sua
descendência masculina, principesca e legítima os títulos de Príncipes e
Princesas de Orléans e Bragança.
3º. Mantemos e confirmamos Nossa Nota de 15 de julho.
4º. O Conde d’Eu e seus filhos se comprometem aqui
solenemente por si e por sua descendência, a não fazer valer a pretensão à
Coroa da França e à posição de Chefe da Casa de França, a não ser em caso de
extinção total de todos os ramos principescos franceses com compõem atualmente
a Casa de França. Registramos este compromisso solene que terá seu efeito e
será estabelecido pela aposição das assinaturas destes Príncipes à nossa
presente Declaração.
Declaramos este compromisso tão inviolável, tão firme e
inquebrantável como se fosse tomado com juramente diante de uma Assembleia
competente da Monarquia.
5º. O Conde d’Eu e seus filhos se comprometem igualmente em
seu nome e nome de sua descendência a não contestar em nada ao ramo do Duque
d’Alençon a posse do título de Duque de Némours.
Todavia em recente troca de correspondência com o antigo secretário do falecido Henri d'Orléans, Conde de Paris, este passou-me uma versão muito diferente do referido texto. Nela, ao invés do verbo "reconhecemos" está escrito "anotamos", e existe uma diferença abismal entre anotar algo e reconhecer algo. Basicamente o "Pacto de Bruxelas" é um acordo familiar entre os Orléans e os Orleans e Bragança onde fica claro, no Art. 3º, que o Duque de Orléans Mantém e confirma a Nota de 15 de julho de 1901, nota essa que, como está escrito acima, "sendo assim, eles (os príncipes brasileiros) não podem tornar-se príncipes da Casa da França, nem seu pai (o Conde d'Eu) pode recuperar o seu status, que ele perdeu", a além disso, apenas anotam que o Conde d'Eu e seus três filhos, para além do tratamento de Altezas Imperiais, o de Altezas Reais. Bem como anotam que os três filhos do Conde d'Eu utilizaram o título de Príncipes de Orléans e Bragança.
O Pacto de Família, em suma, foi um reconhecimento, pelo Conde d'Eu e seus três filhos do que havia sido pontuado pelo Duque de Orléans em 15 de julho de 1901, além de assinarem que não reclamariam lugar na sucessão francesa até que todos os seus parentes Orléans estivessem vivos, e mesmo que não reclamariam o título de Duque de Némours, que os Orléans e Bragança teriam direito, vez que o Conde d'Eu era o filho mais velho do Duque de Némous.
Neste mesmo sentido que aqui exponho, o estudioso orleanista François R. Velde é muito mais contundente do que eu ao afirmar que "O Art. 3º mantém clara e irrestrita a declaração (do Duque d'Orléans) de 1901. O único ajuste é feito à precedência em reuniões puramente familiares, e não dinásticas. Fora isso, o "Pacto" de 1909 não é nada além de uma reafirmação da declaração de 1901 [...]. O Art. 4º é que por vezes parece ter causado confusão. Neste artigo o Duque d'Orléans unicamente faz é "tomar nota" da promessa do Conde d'Eu, O Duque d'Orléans não reconhece, confirma, confere, concede, aceita, ratifica, tolera, endossa. Ele apenas "toma nota". O Conde d'Eu promete não fazer nada até depois da extinção da Casa d'Orléans. É da parte do Conde d'Eu, uma capitulação sem nada em troca. É da parte do Duque d'Orléans um mero reconhecimento de que o Conde d'Eu e seus três filhos fizeram uma promessa." (https://www.heraldica.org)
Aqui não estamos afirmando que o título de Príncipe de Orléans e Bragança não exista... Como fica claro no Anuário da Casa Imperial do Brasil, o título existe como um título de Nobreza brasileiro, dependente do Fons Honorum do Chefe da Casa Imperial do Brasil, nunca tendo sido criado pelo dito "Pacto de Bruxelas", que meramente anotou que o Conde d'Eu pediu que ele e seus filhos fossem tratados como Altezas Reais, bem como anotou que queriam ser tratados pelo título de Príncipes de Orléans e Bragança, ao passo que estes assinaram uma verdadeira capitulação diante da "Nota de 15 de julho de 1901" e nada mais.
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