Texto escrito pelo Dr. João Pedro de Saboia Bandeira de Mello, I Barão de Saboia Bandeira de Mello, Cavaleiro da Grã Cruz de Justiça da Ordem Militar e Hospitalar de São Lázaro de Jerusalém, pelo Grão Priorado do Brasil.
Há, no Movimento Monarquista do Brasil, uma corrente expressiva que defende a tese de que nossos príncipes devem, necessariamente, cultivar um pensamento político conservador, assim considerado o que se apega aos ditos valores tradicionais.
Este posicionamento é respeitável, porque, se queremos um regime monárquico democrático, temos que praticar a democracia interna, respeitando a opinião alheia, ainda mais quando ela encontra eco em algumas das mais proeminentes lideranças da Família Imperial. Não quer dizer, entretanto, que tenhamos de concordar, ou não devamos expressar discordância, por temor reverencial.
Quando se fala em “conservador” se o faz em contraposição aos chamados “reformistas”, e, com mais razão, quanto aos “revolucionários”.
Revolução é, como a História demonstra, um caminho cheio de armadilhas, que geralmente conduz a resultados bem diferentes, quando não opostos, aos inicialmente pretendidos.
A Revolução Francesa se fez sob a divisa “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”, e desembocou no Terror. Após trucidada a nobreza, os revolucionários de ontem tomaram o lugar dos nobres na guilhotina, e os libertários passaram a decepar cabeças uns aos outros, a pretexto de dissenções internas. Nem o próprio Guilhotin, inventor da guilhotina, escapou! A ordem foi restabelecida por Napoleão, que, simplesmente, implantou uma nova monarquia, embora sem legitimidade dinástica. E, mais uma vez, a Coroa de França se perdeu em guerra contra os ingleses. Um espetáculo “déjá vu”.
A Soviética, desde o início, não escondeu ao que veio: eliminar a burguesia como classe social, inclusive fisicamente. Até conseguiu, mas logo as facções passaram a matar entre elas, aos milhares. É um erro pensar que o maior dizimador de esquerdistas foi algum governante de direita. Na verdade, ninguém matou e perseguiu mais comunistas, trotkistas, e anarquistas, que Stalin. Passava-se de “herói popular” a “inimigo do povo”, com uma canetada.
Descartada a opção revolucionária para os monarquistas, resta- lhes seguir o conservadorismo, ou partir para o reformismo, embora previsivelmente não de forma homogênea .
Note-se, contudo, que o confronto entre reformas e valores tradicionais, é relativo .
Reformar não e sinônimo de destruir tudo . O que é bom deve ser mantido, e, com maior razão, se é tradicional. Não se conhece nenhum reformista que pregue a abolição de valores tradicionais como honestidade, patriotismo, solidariedade, trabalho. O que se discute é a respeito de modelos políticos e econômicos, e, quanto a estes, não são perenes, na medida em que as relações sociais são dinâmicas, e o que é aceitável em um determinado momento histórico, passa a ser obsoleto no seguinte.
Naturalmente, não apenas o reformista não é conservador, mas, igualmente, o transgressor. Este, também, não conserva, e antes destrói que modifica.
Nossos dinastas, quando no poder, estiveram longe do conservadorismo.
D. Pedro I fez a Independência.
Uma vez independente o país em 1822, promulgou a Constituição de 1824, sem dúvida a mais democrática e liberal de sua época.
Surpreendeu ainda mais, ao se tornar Grão-Mestre da Maçonaria, movimento perseguido em grande parte da Europa por erguer, como bandeira, o fim das monarquias absolutistas, e que tivera grande influencia na Revolução Francesa.
Abdicando à Coroa do Brasil, se juntou aos remanescentes da Revolução Liberal , nos Açores, enfrentando e derrotando o absolutismo monárquico representado por seu irmão D. Miguel, que usurpara o trono luso, a que tinha abdicado em favor de sua filha.
Então, no campo político, jamais se poderia atribuir a D. Pedro I ser um conservador. Muito menos em matéria de vida privada, (aliás, nem tão privada assim...), como é de todos sabido, e seria ocioso reportar.
Já Dom Pedro II, além de se empenhar em trazer para o país os avanços da tecnologia, foi, até em excesso, o antípoda do absolutismo . Como pode ser conservador quem, além de aceitar com extrema liberalidade as críticas mais desrespeitosas, lutou vitoriosamente pelo fim da escravatura? São de seu período a Lei Eusébio de Queiroz, que proibiu o ingresso de novos cativos no país, a do Ventre Livre, a dos Sexagenários . Esta, não apenas libertou por limite de idade, como criou estímulos aos agricultores para substituírem a mão de obra escrava pela de trabalho livre, em troca do perdão de dívida tributária .
Mais ainda: após a Abolição foi o pioneiro da reforma agrária no Brasil, propondo, à Assembléia Geral do Império, a desapropriação de terras improdutivas à margem das ferrovias, para nela assentar ex-escravos libertos e imigrantes. É o que se lê da transcrição da “Fala do Trono” na Abertura da 4ª Sessão da 20ª Legislatura, em 3.05.1989: “... resolvereis sobre a conveniência de conceder ao governo o direito de desapropriar, por utilidade pública, os terrenos marginais das estradas de ferro, que não são aproveitadas pelos proprietários e podem servir para núcleos coloniais”.
Como um Governante que extingue o tradicional modo de produção pré-capitalista, promove sua substituição pelo novo modo, capitalista, contrariando os interesses dos latifundiários, a maior força política e econômica da época , pode ser tido por conservador ?!
Some-se, a isto, sua atitude na Questão Religiosa, quando, embora não sendo maçom, como o fora o pai, arbitrou em favor da Maçonaria a controvérsia mantida com bispos que pretendiam aplicar, no Brasil, uma bula papal de excomunhão . Esta, face ao sistema de Padroado que se acordara com a Santa Sé, e ao art. 102, Item 14, da Constituição de 1824, dependia de beneplácito régio para aqui vigorar (“art. 102 – O Imperador é o chefe do poder executivo, e o exercita pelos seus ministros de Estado. Suas principais atribuições são 1)........., 14) Conceder, ou negar o beneplácito aos decretos dos concílios, e letras apostólicas, e quaisquer outras constituições eclesiásticas que se não opuserem á Constituição; e precedendo aprovação da Assembléia, se contiverem disposição geral.”)
O regime de Padroado, era um sistema de pesos e contrapesos. A Religião Católica era a oficial, os bispos recebiam remuneração dos cofres públicos, a exemplo dos funcionários, mas, em contrapartida, Sua Santidade os nomeava de comum acordo, e, para que as disposições eclesiásticas vigorassem no Brasil, dependiam do beneplácito de Sua Majestade e, eventualmente, da aprovação da Assembléia.
Tudo isto era consensual, pois, evidentemente, se assim não fosse, a Igreja não admitiria que seus dignatários recebessem os estipêndios.
Pode-se concordar ou discordar do sistema , mas censurar o Imperador por exigir respeito às prerrogativas que lhe assegurava, obriga ao absurdo de censurar ao Papa por nele haver consentido. Afinal, é princípio elementar que acordos existem, para que sejam cumpridos.
Quanto à Princesa Isabel, embora discordando do pai quanto à Questão Religiosa, era entusiasta adepta, não apenas da abolição da escravatura e seu complementar projeto de reforma agrária, como, ainda do voto feminino. Como uma Sufragista ainda em pleno Sec. XIX, abolicionista, e junto com seu pai, pioneira em matéria de reforma agrária, pode ter sido conservadora ?!
Conservadores, isto sim, eram os republicanos que os depuseram, imbuídos dos mais primitivos sentimentos, como machismo e racismo . Quanto a este último, em carta de 2 de janeiro de 1889, ao Dr. José Mariano Carneiro da Cunha, Deputado Liberal na Assembléia Provincial de Pernambuco, advertiu o Grande Joaquim Nabuco: “Os republicanos falam abertamente em matar negros como se matam cães. Eu nunca pensei que tivéssemos no Brasil a guerra civil depois, em vez de antes, da abolição. Mas haveremos de tê-la. O que se quer hoje é o extermínio de uma raça e como ela é a que mais tem coragem, o resultado será uma luta encarniçada” (in “D. Isabel I – A Redentora” textos e documentos sobre a Imperatriz exilada do Brasil em seus 160 anos de nascimento” - IDI, Rio, 2006, pag 151)
Uma princesa que confraterniza com um intelectual negro que escreve tais coisas, é conservadora?!
Não há, pois, base lógica para se pretender que nossos príncipes – e com maior razão, seus apoiadores – devam ser “de direita”, “de centro”, ou “de esquerda”. Cada um seja o que quiser, e, de preferência, evite polemizar no seio do movimento, pois devemos centrar naquilo que nos une, a mudança da forma de governo, e não no que nos divide, as preferências ideológicas, ou mesmo religiosas .
O autor é advogado e monarquista desde o Plebiscito de 1993, agraciado com mercês de nobreza e/ou cavalaria pelas Casas Reais da Etiópia, Geórgia, Itália, e Ruanda.