Por Cora Rónai
O
assunto já parecia esgotado, mas não: agora começo a receber pedidos de
assinaturas em manifestos de desagravo e de apoio à d. Dilma, como se
os xingamentos que recebeu na abertura da Copa fossem algo nunca ouvido.
“Não porque ela é a presidente. Nem porque é do PT. Nem precisa gostar
dela ou do PT. É porque uma senhora deve ser respeitada. Imagino que
todos tenham mãe, irmãs, esposas ou mulheres próximas que não gostariam
que fossem xingadas” escreveu uma amiga ao me encaminhar o terceiro
pedido que recebi em menos de dois dias.
Ela
está enganada. Como tanta gente já observou, não há figuras mais
desrespeitadas em estádios do que as mães, e não é de ontem. Mas nunca,
jamais, ninguém propôs um manifesto a favor das mães dos juízes, todas,
suponho, senhoras de certa idade. Os manifestos estão surgindo
exatamente porque Dilma é a presidente, porque é do PT (que sempre foi
especialista em agitprop) e, sobretudo, porque estamos em ano eleitoral,
e o partido ainda vai fazer o que puder para explorar politicamente o
episódio. Como, aliás, faria qualquer outro partido — embora, mais uma
vez, os petistas estejam forçando a mão na odiosa divisão de classes e
raças que tem sido a sua marca registrada, ricos versus pobres, eles
contra nós, cronópios e famas.
A
verdade, porém, é que há mais do que uma eventual insatisfação com o
governo por trás dos xingamentos dirigidos à presidente: o país vive uma
era de boçalidade sem precedentes. Os piores palavrões viraram ponto de
exclamação e são usados rotineiramente em alto e bom som nas ruas por
homens e mulheres, passando por tudo aquilo a que, antigamente, se
chamava de “arco da sociedade”.
A
grosseria não é exclusividade de nenhuma classe. Está faltando
educação, em todos os sentidos, a todos. Muita educação! As pessoas que
xingaram a presidente apenas usaram, no estádio, as maneiras e palavras
que usam, ou veem ser usadas, no seu dia a dia. Sejam “elite branca”
(expressão que virou modinha sem que seus usuários percebam o quão
asquerosamente é racista) ou qualquer outra parcela da população.
Este, infelizmente, é o país que temos.
o O o
E,
por falar em rainha, a Copa do Mundo abriu gentilmente um espacinho no
noticiário de sábado, na Inglaterra, para as comemorações do aniversário
da Rainha Elizabeth II. O que nos velhos tempos parecia conservadorismo
anacrônico, assenta-lhe muito bem aos 88 anos. Além de fofa, a véinha é
um show de classe e de resistência. E o Duque seu marido, aos 93, não
fica atrás: desfilou em carro aberto com um adereço de cabeça imenso,
ridículo e ecologicamente incorreto, que deve pesar uma tonelada. Mais
tarde, no balcão, fazia bela figura em jaqueta vermelha, alto,
desempenado, costas retas, [...]
Penso
nele e na Rainha como atletas master de uma categoria esportiva exótica
e dispendiosa, na essência não muito diferentes da Mamãe e dos seus
colegas de natação na galhardia com que enfrentam o passar do tempo. É
lógico que reis vivem num mundo de privilégio que sequer concebemos, mas
passar por tanta produção e se apresentar com tal esmero nessa avançada
idade, chova ou faça sol, sendo filmados e fotografados sem tréguas,
não é para amadores; e, no entanto, eles calçam aquelas botas e saltos,
vestem aquelas roupas e chapéus incômodos, luvas, jóias e medalhas e
seguem em frente, impávidos, saudando os súditos, acenando,
eventualmente sorrindo, aguentando discursos e criancinhas.
Aliás,
para mim, que não sou inglesa e não preciso pagar pelo espetáculo, nada
no mundo se compara à família real britânica em termos de reality show.
O elenco é enorme e bizarro, há romance, intrigas palacianas, gente de
todas as idades, figurinos incongruentes e deslumbrantes, bandas de
música, referências históricas, acrobacia aérea, cavalos aos montes —
enfim, de tudo um muito, para agradar a todos.
(O Globo, Segundo Caderno, 19.6.2014)
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