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segunda-feira, 7 de julho de 2014

Vaias, xingamentos, rainhas



Por Cora Rónai


O assunto já parecia esgotado, mas não: agora começo a receber pedidos de assinaturas em manifestos de desagravo e de apoio à d. Dilma, como se os xingamentos que recebeu na abertura da Copa fossem algo nunca ouvido. “Não porque ela é a presidente. Nem porque é do PT. Nem precisa gostar dela ou do PT. É porque uma senhora deve ser respeitada. Imagino que todos tenham mãe, irmãs, esposas ou mulheres próximas que não gostariam que fossem xingadas” escreveu uma amiga ao me encaminhar o terceiro pedido que recebi em menos de dois dias.
Ela está enganada. Como tanta gente já observou, não há figuras mais desrespeitadas em estádios do que as mães, e não é de ontem. Mas nunca, jamais, ninguém propôs um manifesto a favor das mães dos juízes, todas, suponho, senhoras de certa idade. Os manifestos estão surgindo exatamente porque Dilma é a presidente, porque é do PT (que sempre foi especialista em agitprop) e, sobretudo, porque estamos em ano eleitoral, e o partido ainda vai fazer o que puder para explorar politicamente o episódio. Como, aliás, faria qualquer outro partido — embora, mais uma vez, os petistas estejam forçando a mão na odiosa divisão de classes e raças que tem sido a sua marca registrada, ricos versus pobres, eles contra nós, cronópios e famas.
A verdade, porém, é que há mais do que uma eventual insatisfação com o governo por trás dos xingamentos dirigidos à presidente: o país vive uma era de boçalidade sem precedentes. Os piores palavrões viraram ponto de exclamação e são usados rotineiramente em alto e bom som nas ruas por homens e mulheres, passando por tudo aquilo a que, antigamente, se chamava de “arco da sociedade”.
A grosseria não é exclusividade de nenhuma classe. Está faltando educação, em todos os sentidos, a todos. Muita educação! As pessoas que xingaram a presidente apenas usaram, no estádio, as maneiras e palavras que usam, ou veem ser usadas, no seu dia a dia. Sejam “elite branca” (expressão que virou modinha sem que seus usuários percebam o quão asquerosamente é racista) ou qualquer outra parcela da população.
Este, infelizmente, é o país que temos.
o O o
E, por falar em rainha, a Copa do Mundo abriu gentilmente um espacinho no noticiário de sábado, na Inglaterra, para as comemorações do aniversário da Rainha Elizabeth II. O que nos velhos tempos parecia conservadorismo anacrônico, assenta-lhe muito bem aos 88 anos. Além de fofa, a véinha é um show de classe e de resistência. E o Duque seu marido, aos 93, não fica atrás: desfilou em carro aberto com um adereço de cabeça imenso, ridículo e ecologicamente incorreto, que deve pesar uma tonelada. Mais tarde, no balcão, fazia bela figura em jaqueta vermelha, alto, desempenado, costas retas, [...]
Penso nele e na Rainha como atletas master de uma categoria esportiva exótica e dispendiosa, na essência não muito diferentes da Mamãe e dos seus colegas de natação na galhardia com que enfrentam o passar do tempo. É lógico que reis vivem num mundo de privilégio que sequer concebemos, mas passar por tanta produção e se apresentar com tal esmero nessa avançada idade, chova ou faça sol, sendo filmados e fotografados sem tréguas, não é para amadores; e, no entanto, eles calçam aquelas botas e saltos, vestem aquelas roupas e chapéus incômodos, luvas, jóias e medalhas e seguem em frente, impávidos, saudando os súditos, acenando, eventualmente sorrindo, aguentando discursos e criancinhas.
Aliás, para mim, que não sou inglesa e não preciso pagar pelo espetáculo, nada no mundo se compara à família real britânica em termos de reality show. O elenco é enorme e bizarro, há romance, intrigas palacianas, gente de todas as idades, figurinos incongruentes e deslumbrantes, bandas de música, referências históricas, acrobacia aérea, cavalos aos montes — enfim, de tudo um muito, para agradar a todos.
(O Globo, Segundo Caderno, 19.6.2014)

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